Liturgia Nacional da IEAB
29/06/2021
Homilia do Reverendo Arthur Cavalcante
TEXTOS BÍBLICOS: Gênesis 9:13-17; Salmo 150; João 12:44-47
1- “Jesus disse bem alto:
— Quem crê em mim crê não somente em mim, mas também naquele que me enviou. Quem me vê, vê também aquele que me enviou. Eu vim ao mundo como luz para que quem crê em mim não fique na escuridão. Se alguém ouvir a minha mensagem e não a praticar, eu não o julgo. Pois eu vim para salvar o mundo e não para julgá-lo”.
2- A IEAB viu na mensagem de Jesus a face acolhedora de Deus. Se abriu para a diversidade sem medo de ser feliz. Se hoje estamos aqui celebrando esse dia é porque a luz do Evangelho nos alcançou!
3- A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil não amanheceu do dia para o outro sendo acolhedora aos LGBTQIA+. Como pessoas anglicanas não podemos celebrar orgulhosamente nossa fé e sexualidade desconhecendo as inúmeras lutas travadas por mais de 2 décadas para chegar aonde estamos.
4- A abertura para esse tema deve-se primeiramente aos nossos bispos em 1997 que exerceram profeticamente a mensagem evangélica de Jesus Cristo em uma Carta Pastoral. Eles nos conduziram como pastores o rebanho por novos caminhos.
5- Se juntaram a eles, pessoas leigas que foram leiais companheiras nessa jornada. Somaram-se as vozes de pessoas clérigas que saíram corajosamente dos seus armários. Muitas pagaram um preço, sendo expostas em sua orientação sexual e submetidas às disciplinas eclesiásticas autoritárias. Sofremos diversas formas de violência cometidas em nossa IEAB. Tivemos divisões em nossas dioceses, gerando cismas onde a discursão de uma possível inclusão de gays e lésbicas era na verdade uma disputa de poder. Em tudo seguimos resistindo, mas ganhando aos poucos simpatizantes da causa. Chegamos ao Sínodo Geral de 2018 com a aprovação expressiva do casamento igualitário na IEAB. Isso só foi possível pois fomos de fato uma Igreja que se uniu, apesar das suas diferenças, para reformamos uma instituição conservadora! Não haveria tal avanço se não tivéssemos nos juntados a outros seguimentos da Igreja Nacional.
6- Não devemos deixar que outros contem a nossa narrativa de vida na IEAB. A narrativa é nossa como grupo! Conseguimos transformar através do amor a nossa Casa Espiritual. Convencemos através de nosso testemunho como é ser LGBTQIA+ no laicato, no clero e no episcopado, ocupando espaços de responsabilidades. Não queríamos mais viver de forma discreta em nossas comunidades porque isso gerava hipocrisia e nos deixavam pessoas adoecidas e vulneráveis.
7- Muitos de nossos irmãos e irmãs gays e lésbicas que vivenciaram como puderam suas sexualidades, muitas vezes na clandestinidade, não puderam ouvir a sua igreja afirmando que não eram pecadoras. Elas não estão mais em nosso meio. Dedicamos a essas pessoas anônimas ou não, todo nosso carinho!
8- Nosso lema nesse dia é “Vidas LGBTQIA+ importam”. Mostra que todas as pessoas dessa sigla, em constante mutação, são importantes para o Povo de Deus.
9- Há desafios ainda a serem superados. Não somos consumidores de um mercado religioso de casamentos. Nem todos queremos um casamento religioso e tão pouco se enquadrar em modelos heteronormativos. Não somos todos homens brancos e financeiramente realizados. Não somos todos felizes e resolvidos.
10-É estranho para nossa espiritualidade anglicana ver certas atitudes de seguimentos LGBTQIA+ indo em contra os direitos humanos, assumindo posições de ódio, contra pessoas e organizações que lutam por direito a moradia e a terra, que combatem o racismo estrutural, que lutam contra a intolerância religiosa. Gays e Lésbicas que apoiam pena de morte e execução sumária de marginais como solução final de tudo que não sabem lidar. Esse tipo de direitos humanos reducionista neoliberal não encontra base no Evangelho. Não podemos apoiar e reproduzir modelos que antes nos oprimiam. Deus não se encontra nessa escuridão!
11- O que ocorreu na IEAB é um sinal de esperança para muitas outras igrejas. Não foi à toa que conseguimos organizar um evento ecumênico de Igrejas e Religiões agregando as organizações ativistas, intelectuais e políticos para superar a onda reacionária que estava se erguendo com a eleição de Bolsonaro. E um parêntesis aqui: muitos LGBTQIA+ o elegeram fazendo vistas grossas a suas posturas machistas, racistas e homofóbicas. Assim continua válida a série de pontos levantados pela Carta de São Paulo, construída no 1ºCongresso Igrejas & Comunidades LGBTQIA+ em 2019, das quais destaco uma delas:
A luta pela inclusão e reconhecimento das pessoas LGBTQIA+ contra o modelo religioso cis-heteronormativo, classista, racista e misógino não é uma necessidade e um tema que diz respeito somente às pessoas LGBTQIA+ e de populações vulneráveis […] A homolesbifobia é um problema das pessoas heterossexuais; a transfobia é um problema das pessoas cisgênero; o sexismo é um problema dos homens; a injustiça social é um problema dos ricos e o racismo é problema das pessoas brancas.
12- A nossa luta e existência são simbolizadas no Arco Iris do Livro de Gênesis. Recorremos a um símbolo bíblico para expressar uma promessa que quando as densas nuvens de ódio tentarem escurecer a vida na terra ameaçando a existência humana, devemos ser instrumentos de Deus para libertação, para resistência e para abraçar a causa do mais fraco, dando-lhe voz e vez. Temos essa Aliança com Deus e não podemos quebra-la. Que o Senhor nos abençoe. Amém.